Incêndios: Chamas “bateram à porta” de agricultor de Oliveira do Hospital pela segunda vez

As chamas bateram, pela segunda vez, à porta de um agricultor de Avô, em Oliveira do Hospital, e sem pedir licença levaram-lhe os anexos, o motocultivador, a lenha, as árvores de fruto e metade de uma vinha.
“O fogo desta vez veio mais lento e não me levou tudo. Ficou a minha casa, com cerca de 28 metros quadrados, os animais – uma gata, um burro, patos, galinhas e ovelhas – também sobreviveram nem sei bem como conseguiram fugir”, contou Helder Correia, sentado à entrada daquela que passou a ser a sua habitação, um antigo barracão que ampliou depois dos incêndios de outubro de 2017 lhe terem destruído a casa.
O acesso ao terreno deste agricultor, na Quinta do Pisão, faz-se depois de curvas e contracurvas, com a subida a permitir avistar a imensidão da paisagem pintada quase toda ela de negro e com um odor a queimado ainda muito carregado.
“Isto está 99% preto, mas não foi tão mau como em 2017. Ainda se vê um bocadinho de verde aqui e ali. Há oito anos foi bem pior, fiquei na miséria”, lamentou.
Em conversa com a agência Lusa, o agricultor de 66 anos contou que, em outubro de 2017, as chamas chegaram aos seus terrenos a uma velocidade assustadora e temeu nem conseguir ter tempo suficiente para fugir.
“Eu e a minha mulher só levámos a roupa do corpo. Ardeu-me a casa, os anexos, os terrenos e uma casa de turismo rural que era o meu principal sustento”, lamentou.
No dia a seguir aos incêndios de há oito anos, ele e a sua esposa Mariana, uma holandesa que vive em Portugal há quase 40 anos, viram-se “todos sujos, suados e a cheirar a queimado” e sem sítio para tomar um banho.
“Nós até vivíamos razoavelmente bem e depois nem sequer tínhamos onde tomar banho. Acabámos a tomar banho no rio, sem toalha para nos secarmos e a termos de voltar a vestir a mesma roupa suja”, recordou.
Foi então que deu por si a pensar na vida e no que iria fazer, mas a onda de solidariedade que se gerou nos dias seguintes transmitiu-lhe alguma esperança para recomeçar.
A sua habitação acabou por ser reconstruída, mas “era uma porcaria por dentro”.
“Nem me sentia em casa, não eram as minhas coisas e acabei por vendê-la”, indicou, apontando para a casa, que consegue avistar a uma centena de metros.
Também a casa de alojamento rural que possuía na vila de Avô – um prédio do século XIX, que ainda tinha madeiras de origem e onde funcionava um bar e um restaurante num piso inferior e um hotel na parte superior, continua por reconstruir.
“Para reconstruir a parte de baixo não tinha qualquer apoio, para a parte de cima tínhamos direito a 80%. Era para aceitar, mas depois a minha mulher fez as contas às nossas idades e a obra só estaria pronta quando teríamos 70 e picos anos e durante 10 anos não podíamos nem alugar, nem vender…”, partilhou, desolado.
No total, o seu prejuízo “rondou os 500 mil euros”, mas manteve a esperança de que “as pessoas se iam consciencializar e fazer o que era necessário para não voltar a acontecer”.
“Acreditava que as coisas mudassem e que nunca mais voltasse a passar por isto: que voltássemos a ter uma floresta bonita, mas passámos agora pelo mesmo. Cheguei à conclusão de que ninguém aprendeu nada e aquilo que se fazia mal continua a fazer-se mal”, afirmou.
Poucos dias depois das chamas lhe terem voltado a destruir os seus bens, Helder Correia duvida que as coisas mudem e embora viver sem trabalhar não lhe pareça fazer sentido, sabe que tudo o que vá “fazer daqui para a frente vai ser para arder daqui por mais uns anos”.
O incêndio que começou no Piódão, em Arganil, no dia 13, afetou também os concelhos de Pampilhosa da Serra e Oliveira do Hospital (distrito de Coimbra), Seia (Guarda) e Castelo Branco, Fundão e Covilhã (Castelo Branco).
Segundo o relatório provisório do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF), este incêndio apresenta a maior área ardida de sempre em Portugal, com 64 mil hectares consumidos.
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